Artesanato e desenvolvimento social

Artesanato e desenvolvimento social

Como se mede o grau de desenvolvimento de uma nação? Vários são os indicadores com os quais podemos estabelecer se um país é mais ou menos desenvolvido, se integra o rol dos estados ricos ou se está entre aqueles considerados mais pobres. O PIB é um desses indicadores, assim como o grau de escolaridade, o acesso a bens de consumo e a saúde de sua população. Quanto mais baixos os índices alcançados, maior a distância que separa o país do progresso pleno.

Quanto mais os índices se elevam, maior o sucesso da caminhada naquela direção. Diríamos que essa é uma escala constituída de dados numéricos, quantificáveis, cuja análise é de interesse daquela porção da economia que se dedica à observação dos bens tangíveis, ou materiais, da realidade social. Paralelamente existem outros denominadores que, embora não tão concretos, nem por isso são de importância menor. Podemos defini-los como dados intangíveis, ou imateriais, já que sua mensuração está longe de poder ser convertida em cifras quantificáveis.  A antropologia vem insistentemente chamando atenção para a importância de indicadores dessa natureza na definição da realidade social.

No Brasil, seguramente, o artesanato se inclui nessa segunda categoria. Em grande parte ausente dos censos econômicos, a produção artesanal abrange uma enorme gama de fazeres que se distribui por todo o território nacional. Geralmente aprendido distante dos circuitos formais de transmissão de saber, o fazer artesanal é resultado de conhecimentos por vezes imemoriais que passam de uma a outra geração, de pai para filho, no âmbito familiar, no grupo de moradia ou de vizinhança. Ao que nos interessa aqui, a questão principal é que esses saberes se processam, em grande maioria, ao largo do mercado formal, não havendo dados concretos sobre essa realidade. Há décadas, e a despeito das transformações vividas pela sociedade brasileira no decorrer do tempo, repete-se que o artesanato é responsável pela geração de renda e ocupação de mão de obra de parcela considerável da população, totalizando mais de oito milhões de brasileiros envolvidos diretamente na atividade.

Fato é que, integrando o mercado informal da economia nacional, mulheres e homens confeccionam com madeira, barro, fibra vegetal, linha, tecido, couro, metal, resíduos sólidos diversos e muitas outras matérias-primas, uma infinidade de objetos que preenchem múltiplas funções na vida social de todos nós. São objetos que estão presentes no cotidiano, sendo até mesmo difícil encontrar uma única residência em que parte dos itens de uso corriqueiro não tenha origem no fazer artesanal. Podem ser utensílios de uso utilitário como peneiras, cestos, colheres de pau, potes, pratos, almofadas, toalhas ou colchas ou itens ornamentais como flores feitas com sobras de tecidos ou sementes, esculturas e outros itens de decoração, além de peças de indumentária, bijuterias, cintos e bolsas ou mesmo aqueles de importância simbólica e religiosa.

São bens que trazem impressos em sua conformidade física, a marca da diferença, pois são feitos manualmente por artesãos, quando muito auxiliados por ferramentas, equipamentos e maquinário de pouca complexidade e que não passam de extensões das mãos humanas. Se distinguem dos objetos mecânicos que são regidos pela uniformidade que a indústria prescreve à produção em série. São únicos devido ao processo mesmo de feitura: são modelados, esculpidos, talhados, conformados um a um, num longo ciclo de transformação que lhes dá particularidades. São singulares, pois resultam de fazeres em que a mestria do artesão responde pelo maior ou menor grau de perfeição no fazer. Trazem consigo o atestado da identidade de indivíduos e grupos produtores.

Além de mercadoria, são objetos embebidos na cultura. Dotados de significado, são também objetos culturais.  E nisto reside sua grande força de expressão.

Com origem em tempos passados, muito da produção artesanal brasileira tem uma profunda marca concedida pelo tempo. São os objetos consagrados pela tradição. Outros há, no entanto, que resultam de processos criativos contemporâneos. Nesse sentido, o universo formado pelos objetos artesanais se amplia dia a dia pelo acréscimo principalmente de novos materiais como o pet e outras matérias descartadas pelo mundo urbano.

Essa produção “invisível” na balança comercial do país, em sua imaterialidade, é responsável por parcela considerável da economia nacional e, ao contrário do que se poderia supor, a riqueza do Brasil também pode ser medida pela capacidade do povo brasileiro de criar com suas próprias mãos (e cabeças) e a partir de materiais simples, um mundo diverso da padronização que a globalização nos impõe.

Aí o Brasil se revela uma das mais ricas nações do mundo.

Parabéns artesãos brasileiros, nesse Dia do Artesão, 19 de março de 2021.

Imagens
Flores de pet – Marilda Caiares, Vila Dois Rios / Ilha Grande
Mãe Souteira – Getulio Damado, Santa Teresa / Rio de Janeiro
Figura de Anjo – Maritônio Portela, Nova Iguaçu
Fuxico (colcha) – Selma Marinho, Magé

Por Ricardo Gomes Lima
Antropólogo. Coordenador de Projetos Estratégicos de Cultura e Articulação Popular da Pró-reitoria de Extensão e Cultura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.