III Semana Fluminense de Patrimônio abre com reflexão sobre o urbanismo

Somos feito os pescadores à cata / de peixe: versos que alimentam nossa aldeia”. Com os versos da poesia Trabalho Fluente, de Marcelo Caetano, primeira colocada na categoria Memória das Águas do concurso Olhares sobre o Patrimônio Fluminense do ano passado, a atriz Zezé Motta, mestre de cerimônias da abertura oficial da III Semana Fluminense de Patrimônio, na última sexta-feira, 16 de agosto, deu início ao evento que comemora mais uma edição – a terceira – da iniciativa, que este ano apresenta como tema Patrimônio Cultural: Valores em risco.

No auditório do Centro Cultural Justiça Federal, os presentes puderam assistir à exibição do documentário Mestre Adorcino e o estuque ornamental, produzido pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), e a palestra da urbanista Margareth Pereira, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A programação se encerrou com a apresentação do grupo cultural Jongo da Serrinha.

Atuação conjunta de várias instituições científicas e culturais, a Semana Fluminense do Patrimônio visa promover e ampliar o conhecimento da população sobre o patrimônio de cada município, em suas diversas formas de expressão. Petrópolis também recebe – de 23 a 25 de agosto no Palácio Itaboraí – o principal evento acadêmico da Semana com palestras e debates: o III Encontro do Patrimônio Fluminense.

Um mestre na arte da estucagem

As imagens do filme sobre Adorcino Pereira da Silva mostraram o mestre do estuque ornamental durante curso sobre sua arte, na Oficina-Escola de Manguinhos da COC, em 2010.  Adorcino começou a trabalhar no Rio de Janeiro como servente de pedreiro, aos 18 anos, vindo de Saquarema, sua cidade natal. Menos de um ano depois, chegou a meio oficial estucador.

Este foi o início da trajetória do mestre, que passou a integrar a COC em 1987 e contribuiu para a manutenção dos prédios do Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos do campus da Fiocruz, tombados pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (Iphan) e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico (Inepac).

Urbanistas somos todos nós

A palestrante Margareth Pereira trouxe uma reflexão sobre cidade e urbanismo para os convidados. Em tom mais informal, a urbanista, arquiteta e historiadora explicou que aquela não seria uma conferência de abertura, mas “um sinalizador das pontes que devem ser construídas”. Margareth chamou atenção para o fato de que, apesar de terem nascido quase em paralelo, as práticas de urbanismo e as de preservação estão afastadas: “Os setores da nossa vida coletiva que vêm tentando pensar as relações de memória, história e preservação, muitas vezes vem quase que apagar incêndios porque infelizmente os setores de urbanismo não estão, muitas vezes, no mesmo compasso”.

Para ela, a solução é tentar criar pontes para aproximar quem trabalha com história, memória e preservação de valores materiais e imateriais com quem pensa, fabrica e têm o dever e autoridade de regular o crescimento da cidade. Além disso, ela apontou a necessidade de fortalecer o trabalho do urbanista. “Observamos que nos países onde se reconhece a profissão (do urbanista), os órgãos de preservação atuam de maneira equilibrada. Paris, Nova Iorque, Barcelona ou Berlim não são cidades totalmente tombadas, pois o papel de mediador do urbanismo conseguiu equilibrar as forças de preservação e de necessidade de crescimento”, lembrou.

Margareth afirmou ainda que os riscos que temos hoje em relação ao patrimônio são de naturezas diversas e que é necessário que haja diálogo e solidariedade entre os diversos pontos de vista sobre a cidade, que é um bem comum dos setores de preservação, urbanistas, arquitetos e cidadãos: “Todos nós somos construtores da cidade e envolvidos, de certa forma, naquilo que queremos lembrar e esquecer, transmitir ou transferir para a outra geração. Os urbanistas somos todos nós”, concluiu.