Restingas de Quissamã são patrimônio natural do Brasil

A área abrangida pelo município de Quissamã é naturalmente dividida em duas fisionomias de relevo bem diferentes. Na metade mais próxima ao mar, predomina o solo arenoso com vegetação de restinga. Na outra metade estão os chamados “tabuleiros”, uma região de topografia plana e solo argiloso com ondulações que não ultrapassam os 200 metros de altitude.

Bruno Coutinho Kurtz - Pesquisador do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Bruno Coutinho Kurtz, pesquisador do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro

A história de Quissamã está fortemente ligada à produção de açúcar. As sedes dos engenhos fazem parte da paisagem da região. Desde a segunda metade do Século XVIII, a “Mata de Tabuleiros”, formada em grande parte por árvores de madeiras de alta qualidade, foi sendo devastada para dar lugar às plantações de cana. Nessa parte do município, praticamente nada sobrou da floresta original.

Já a área de restinga, apesar de parcialmente usada para o plantio da cana, extração de lenha e, mais recentemente, para  a produção de coco, permaneceu em sua maior parte preservada. Mais da metade do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba se encontra no município de Quissamã. O restante está no município vizinho de Carapebus e num pequeno trecho de Macaé.

“O Parque abriga um dos mais importantes remanescentes de restinga no Brasil”, afirma o pesquisador Bruno Coutinho Kurtz, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que realizou pesquisas na área para sua tese de doutorado. Ele identificou a existência de dez diferentes comunidades vegetais na área, formando um mosaico que vai desde herbáceas até florestas com árvores que podem chegar a 30 metros de altura, as chamadas “florestas paludosas”.

mata paludosa
As matas paludosas formam um mosaico que vai de espécies herbácias até árvores com mais de 30 metros

Bruno conta que o mar foi recuando nessa região, acarretando a deposição de antigas praias. Uma das consequências desse processo natural é uma profusão de lagoas com origens diferentes. Enquanto algumas eram originalmente rios que desembocavam no mar, outras eram pequenas baías de água salgada.

Também como consequência do recuo do mar, formaram-se no terreno diversas depressões, onde, com o passar do tempo, depositou-se matéria orgânica com muitos nutrientes, o que proporcionou o surgimento das florestas paludosas. Nelas se destaca, por exemplo, o guanandi (Calophyllum brasiliense), uma das primeiras árvores brasileiras a serem consideradas “madeira-de-lei” e que foi muito usada para fazer mastros e vergas de navios.

Fora dessas faixas de floresta, a restinga é um ambiente difícil para as plantas. A areia retém pouca água da chuva, a insolação é tremenda e há poucos nutrientes. O pesquisador revela que a diversidade da flora na restinga se deve, em grande parte, às chamadas espécies facilitadoras. “São plantas mais rústicas que conseguem se estabelecer e sobreviver. A presença delas torna o ambiente menos hostil e possibilita que outras espécies germinem ali”, explica Bruno.

Bromélia, com mata paludosa ao fundo.
Bromélia, com mata paludosa ao fundo

Entre essas espécies facilitadoras estão a palmeira guriri e a clúsia, que criam áreas de sombra, e também algumas bromélias. O ambiente do copo das bromélias favorece a germinação das sementes de outras espécies. Já a fauna apresenta espécies endêmicas de restinga, como o sabiá-da-praia e o lagarto-da-cauda-varde.

“No Brasil, a ocupação se deu primeiramente no litoral. Nesse processo, os ambientes de restinga foram muito destruídos. E isso ainda acontece, com a especulação imobiliária fazendo loteamentos, condomínios, bem como com a construção de parques industriais. Daí a importância de Jurubatiba, que é um remanescente bem preservado e muito expressivo em termos de extensão”, aponta Bruno Kurtz. Uma das preocupações, segundo o pesquisador, é manter o lençol freático livre da poluição de esgoto doméstico e de agrotóxicos provenientes das plantações no entorno dessa unidade de conservação.