A 14ª edição da Semana Fluminense do Patrimônio começou nesta terça-feira, 25/11, em Angra dos Reis (RJ), com uma mesa de abertura dedicada a discutir como as mudanças climáticas ameaçam o patrimônio cultural brasileiro e como os conhecimentos tradicionais podem oferecer respostas concretas à crise ambiental. Com o tema Patrimônio Cultural e Mudanças Climáticas, o evento dialoga diretamente com as discussões da COP30, realizada neste mês em Belém, no Pará.
Criada em 2011, a Semana Fluminense do Patrimônio se consolidou como um dos principais fóruns de preservação da memória e da cultura no estado. A edição de 2025 reúne especialistas, pesquisadores, representantes comunidades tradicionais e gestores públicos em torno de debates, mostra de filmes e apresentações culturais.
A mesa de abertura contou com a participação de Luana Campos, professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e Secretária do Comitê sobre Mudanças Climáticas e Patrimônio do ICOMOS-BR e Ivanildes Kerexu, liderança da aldeia Rio Bonito e coordenadora do Fórum das Comunidades Tradicionais. A mediação ficou a cargo de Helena Tavares, do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Fiocruz.
A crise climática e o nosso modelo de desenvolvimento
Ao abrir o evento, Helena Tavares ressaltou que discutir mudanças climáticas exige questionar suas causas estruturais:
“Falar de mudanças climáticas implica em refletir sobre as práticas que provocam essas mudanças. É inevitável pensar criticamente o modo de produção capitalista e seu conceito de desenvolvimento.”
Ela destacou que a separação entre natureza e cultura, central no pensamento ocidental, está no centro dessa discussão. Segundo Helena, romper com a ideia desenvolvimentista envolve também romper com o pensamento binário que separa os dois campos.
Helena enfatizou que quem vive e constrói o território todos os dias – povos indígenas, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais – mostram que a separação entre natureza e cultura não faz sentido. Ela observou que nos territórios encontram-se práticas, conhecimentos e políticas que enfrentam diariamente as mudanças do clima.
Destacou ainda que é possível ver como os impactos climáticos afetam diretamente os patrimônios culturais, revelando conexões com desigualdades históricas marcadas por racismo ambiental, migrações forçadas, segregação socioespacial e violações de direitos.
O que é patrimonio cultural? Foi com essa pergunta que a arqueóloga e pesquisadora Luana Campos iniciou sua apresentação. Ela lembrou que a antiga concepção da Unesco, formulada em 1971, restringia patrimônio a monumentos, conjuntos arquitetônicos e sítios. Ou seja, ao que é palpável.
Ela destacou que a partir da década de 1970, a referência cultural ligada a patrimônio ganha força, valorizando seu vínculo com os grupos sociais que o significam.
“Patrimônio não é aquilo que tem valor para uma sociedade, mas para as sociedades, no plural. E isso mostra o quanto é essencial pensar esse patrimônio e que ele tem importância pela sua relação com as identidades, a memória e a história de varios grupos”, afirmou.
A pesquisadora citou o exemplo da Ilha de Páscoa e das estátuas moai para mostrar como sociedades antigas já lidavam com mudanças climáticas e como essas dinâmicas alteravam seus territórios e produções culturais.
Também apresentou exemplos de ocupações tradicionais no Pantanal, onde povos indígenas desenvolveram estratégias sofisticadas para lidar com incêndios, calor extremo e gestão de água, conhecimentos que, segundo ela, deveriam inspirar o planejamento territorial atual.
A importância da demarcação de terras para reduzir os efeitos das mudanças climáticas
Ivanildes Kerexu destacou o papel crucial dos territórios indígenas e quilombolas na preservação ambiental, especialmente em um contexto de emergência climática.
Ivanildes compartilhou sua experiência na COP30 e reforçou a necessidade de levar a voz dos mais velhos e dos povos tradicionais aos espaços de decisão. Ela também ressaltou os conhecimentos ancestrais, afirmando que o conhecimento dos povos indígenas é conhecimento científico e, ao se referir às mudanças climáticas, destacou que os anciãos das comunidades já sabiam há muito tempo o que estamos vivendo hoje.
Em sua fala, ela conectou diretamente mudanças climáticas, defesa do território e políticas de demarcação:
“Quando falamos de demarcação de terras, não estamos lutando só pelas comunidades indígenas ou quilombolas. Estamos lutando pelo planeta. Demarcação de terras salva vida. Demarcação de território salva o planeta.”
Ela destacou que comunidades tradicionais são as que mais preservam porque dependem do território para viver, uma vez que tiram dali o seu sustento.
Ivanildes também celebrou o recente decreto federal que reconheceu territórios quilombolas, mencionando o Quilombo Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis. Ela lembrou que a luta territorial é, ao mesmo tempo, espiritual, coletiva e ancestral.
Para encerrar a noite, houve a apresentação do grupo Ciranda de Tarituba, que busca preservar a cultura caiçara por meio de músicas e danças.
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